quinta-feira, 6 de dezembro de 2012



Revisitamos os manuais de Seomara, a capa pouco apelativa não corresponde ao interior pleno de imagens e cor, produto das ilustrações originais criadas pela própria.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

DESTA VEZ PUBLICAMOS MAIS UM ESTUDO DE SEOMARA PARA UM DOS SEUS MANUAIS DE ZOOLOGIA.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Para além deste blogue, podem seguir-nos em http://www.facebook.com/upload/photos/simple/#!/nucleomuseologico.seomara a nossa página no facebook, onde podem ser encontradas outras referências sobre o meio local.
Brevemente novas notícias e informações.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Bem-vindos ao novo ano lectivo de 2012/13.
Asim como nós iniciámos mais um ano de aprendizagens muito importantes e interessantes, assim a menina Seomara, no início do século XX, se apresentou na Escola Maria Pia, em Lisboa para dar início aquilo que seria a sua brilhante carreira académica.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Seomara na sua casa da Amadora de outros tempos...
Mais um ano lectivo que termina e assim interrompemos a actividade do núcleo. De qualquer forma podem encontrar-nos na nossa página do facebook. Até Setembro

sexta-feira, 25 de maio de 2012

sexta-feira, 13 de abril de 2012

A investigação sobre Seomara

Comunicação apresentada (em versão em inglês), no "14th International Symposium for School Life and School History Collections" em Bressanonne/Brixen em Junho de 2011

Guida Maria Aguiar de Carvalho

Introdução

Começamos por evocar duas primeiras estrofes de um soneto de Camões, poeta português do Renascimento:

«Transforma-se o amador na cousa amada,

Por virtude do muito imaginar;» [1]

Salvaguardando as devidas diferenças, sinto-me relativamente ao meu objecto de estudo, como o investigador que se torna também na cousa investigada. Cousa investigada pois ao desenvolver as minhas actividades no Núcleo Museológico, recordo a minha professora de Ciências, no Liceu, que se referia muito afectuosamente ao nosso livro de Ciências, salientando «que era o livro da Seomara». Livro que guardei ao longo dos anos e que doei ao Núcleo Museológico, pois já não precisava de imaginar mais a autora que fui desvendando ao longo dos últimos anos, conhecendo-a e procurando divulgar a sua vida e a sua obra.

Síntese biográfica de Seomara

Seomara da Costa Primo distinguiu-se como professora do Ensino Liceal e do Universitário, como investigadora nas áreas das Ciências Naturais e da Educação, e ainda como activista do movimento associativo do professorado do ensino Liceal.

Nasceu em Lisboa, no dia 10 de Novembro de 1895 e veio a falecer na Amadora, no dia 2 de Abril de 1986-

Frequentou como aluna os liceus Maria Pia e Passos Manuel, No liceu, Passos Manuel terminou o Curso Complementar de Ciências em 1913, entrando de seguida na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa onde concluiu o Curso de Ciências Histórico-Naturais em 1919. No decurso do ano lectivo de 1917-18 frequentou na Faculdade de Medicina as cadeiras de Histologia e Embriologia. Tendo frequentado o Curso do Magistério Liceal, diplomou-se pela Escola Normal Superior e concluiu o Exame de Estado no ano de 1922.

Foi como professora do Ensino Liceal -função que viria a acumular com a docência Universitária - que desenvolveu intensa actividade tanto no campo científico e pedagógico como no associativo. Leccionou no antigo Liceu Almeida Garrett e no seu sucessor Maria Amália Vaz de Carvalho, tendo deixado nas suas alunas uma forte impressão abonatória. Em 1942 defendeu a sua Tese de Doutoramento, intitulada «Contribuição para o Estudo Comparativo da Acção do Arsénico e da Colquicína na Célula Vegetal», tendo sido a primeira mulher a doutorar-se em Ciências Biológicas, o que lhe valeu a divulgação do ocorrido na Imprensa quotidiana bem como o acesso à cátedra de Botânica da Faculdade de Ciências de Lisboa em 1943.

Foi autora de diversos compêndios para o Ensino Liceal -de Botânica, de Biologia e de Zoologia, profusamente ilustrados com aguarelas e carvões por si executados, que acompanharam gerações de alunos do Ensino Liceal, entre os anos trinta e setenta. O seu gosto pelo desenho quer científico quer recreativo e pela pintura permite encontrar no seu espólio um número muito significativo de aguarelas, representando plantas e animais -as quais foi fazendo e refazendo até ao fim da vida.

O nome de Seomara da Costa Primo surge também associado à Federação das Associações dos Professores dos Liceus Portugueses (cujos Estatutos foram aprovados em Maio de 1926), não só pelo facto de, desde 1927, ter feito parte dos seus corpos gerentes, mas igualmente por ter apresentado diversas comunicações nos Congressos realizados pela Associação.

Foi pela mão da Professora Seomara que o cinema educativo se estreou no Liceu Maria Amália, no dia 24 de Junho de 1929, com o filme "Chang", de que o suplemento de "O Século" (o "Cinéfilo") faz eco, ao publicar um extenso artigo de Seomara intitulado «"Chang", Uma lição no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho», onde, para além de uma história breve do Cinema, são salientadas as vantagens pedagógicas do cinema educativo como forma de aproximar os alunos da realidade.

Também no suplemento feminino de "O Século", o "Modas & Bordados", dirigido por Maria Lamas, se fez eco do interesse que Seomara demonstrava relativamente à Cruz Vermelha Infantil, organização ligada à Sociedade das Nações, ao proferir, em Lisboa, no dia 25 de Junho de 1930, uma conferência sob o título "A educação e a cruz vermelha da mocidade".

Quanto à educação, Seomara pensava, utilizando a terminologia pedagógica da Escola Nova, mas também fazendo eco de expressões de carácter eugenista, dominantes nesse período: "A educação não consiste já na acumulação de noções por vezes demasiada, numa exagerada fase intelectual -conjunto de noções mal fixadas umas, mal interpretadas outras, por vezes mal usadas todas- consiste antes na preparação do indivíduo para a vida, visando aquela selecção e cultura das qualidades da raça, tornando-o apto a agir e a vencer no meio a que é destinado" (Primo, 1939).

Para além desta visão global da educação, também se pronuncia relativamente à necessidade da adopção de novos métodos de ensino -o que, aliás, o discurso curricular oficial irá propor na Reforma Liceal de 1936, sem no entanto os realizar plenamente - e tomando uma posição crítica relativamente aos programas do ensino liceal: "...transformação dos métodos de ensino em métodos activos, que tendem a favorecer a actividade pessoal da criança, procurando rodeá-la das mesmas condições que encontrará na vida, levando-a a resolver problemas em que é colocada, dentro das suas forças e da sua mentalidade, o que é certo é que também nos nossos programas muito pouco se cuida dos problemas da vida." (Primo, 1930).

Também a especificidade feminina foi objecto de referência, no que concerne ao papel da mulher na sociedade e à educação das raparigas: "Quanto mais esclarecida (...) for [a mulher], tanto mais elevará a sua missão de mãe- A cultura nunca fará mal às raparigas. Poderá resultar melhor até, porque é a mulher, de facto, quem exerce mais influência no espírito dos filhos. Fomentar, pois, a sua cultura, elevar a sua mentalidade, é pedra de toque de um país verdadeiramente civilizado" (Primo, 1943). Foi autora de inúmeros artigos de índole científica e pedagógica, publicados na imprensa da especialidade, bem como em órgãos de divulgação, tendo sido citada em órgãos de imprensa estrangeiros. Efectuou diversas viagens de estudo de âmbito científico e pedagógico, à França, Alemanha, Bélgica, Holanda e Suíça.

Seomara nunca constituiu família, cuja possibilidade parece ter sido sacrificada pelo seu labor científico, investigativo e docente. Como balanço final, e nas suas próprias palavras, ela assim define a sua vida: «Alunos e livros foram meus companheiros na vida; mais do que isso, foram a minha própria vida» (1985).

A História do Núcleo Museológico Seomara Da Costa Primo:

Quando o Ministério da Educação sugeriu que todas as escolas deveriam ter um Patrono a Escola Secundária da Venteira, na Amadora -periferia de Lisboa- toma o nome de Escola Secundária de Seomara da Costa Primo, em 1989, por proposta da sua antiga aluna, Drª Maria Luísa Azevedo Neves.

Logo de seguida várias entidades, nomeadamente o Museu – Escola Jardim Botânico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho e a Drª Maria Luisa Azevedo Neves, procederam à doação de partes do Espólio da professora Seomara à escola. E assim se constitui o Espólio a que se vieram a juntar cadernos e depoimentos orais de antigas alunas do Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho.

Nos anos noventa, inicia-se o tratamento e acondicionamento do Espólio, através de um protocolo com a Câmara Municipal da Amadora. Nos anos subsequentes prosseguiu-se com a investigação em torno do Espólio com o objectivo central de divulgar a figura de Seomara.

O Espólio é constituído por cerca de seis centenas de peças, com cerca de 180 desenhos, carvões, tinta da china, aguarelas, manuais escolares de sua autoria, recortes da Imprensa sobre os seus trabalhos e intervenções, brochuras de intervenções em Congressos, dezenas de Fotografias, desde a Infância até aos últimos anos, alguma correspondência, livros da sua biblioteca pessoal; objectos pessoais, bordados da sua autoria, cadernos de antigas alunas do Liceu Maria Amália e pequenos depoimentos orais de antigas alunas.

No âmbito da exploração científica e didáctica do Espólio, temos desenvolvido as seguintes actividades:

Participação em Congressos (Santarém; Válega-Ovar, Santiago de Compostela; Riachos e Macerata-Itália); Publicações, em parceria com a Escola Superior de Educação de Santarém; Artigo Biográfico in Dicionário de Educadores Portugueses, dir. António Nóvoa, Lisboa: 2003; Participação na criação da RIHMIE (Rede de Investigadores em História e Museologia da Infância e da Educação); Cedência de materiais para a Exposição sobre «Professores Cientistas» ( Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa): Cedência e apoio à selecção de materiais para o «Museu Virtual da Educação» (Ministério da Educação); Apoio à elaboração do Documentário «Seomara uma Mulher do/no seu Tempo» http://www.youtube.com/watch?v=1TJZDABOWnk ; Colaboração com o Centro de Filosofia das Ciências da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa; Representação na inauguração do Laboratório Seomara da Costa Primo, na Escola Secundária Vergílio Ferreira em Lisboa. Para além destas participações, contamos também com uma Exposição permanente na sala do Núcleo Museológico; contamos ainda com o nosso blogue, com o endereço é http://nuclemuseologicoseomara.blogspot.com/

Os objectos como interlocutores

Todos os objectos que constituem o Espólio são revestidos de materialidade, estão classificados, catalogados, têm dimensões, pesos e características específicas. No entanto aquilo que pensamos ser mais importante é a compreensão do seu significado, a mediação que eles desempenharam entre a sua autora e os destinatários: Entender o seu significado na vida e obra da autora e memória da percepção dos destinatários relativamente aos objectos e à sua intencionalidade.

Recorremos pois à memória daqueles que de alguma forma tiveram contacto directo com a autora e contacto directo com algumas das peças do Espólio, nomeadamente, os manuais escolares, os cadernos de antigas alunas e outras publicações. O objectivo do Núcleo Museológico é também o de dar vida aos objectos, dar-lhes a voz dos seus utilizadores.

Os depoimentos orais e escritos que fomos recolhendo nos últimos anos permitem-nos melhor contextualizar os objectos do Espólio e a importância do contacto pessoal entre Seomara e as suas alunas. Relativamente aos depoimentos, eles dividem-se em duas populações diferentes, na primeira categoria encontram-se as suas alunas do Ensino Secundário, no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho onde leccionou Ciência Físico-Naturais. Quanto à segunda categoria é constituída pelos seus estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde leccionou Desenho Cientifico..

Importa-nos pois revivificar as peças do espólio, através das experiências da vida que esses objectos tiveram quando eram manuseados, observados e lidos pelos actores sociais.

As Metodologias e o contexto

Seomara da Costa Primo foi defensora e partidária dos métodos activos, pô-los em prática tanto nas suas aulas, como nos manuais escolares que ilustrou e escreveu. A isso se referem sobretudo as suas alunas do Ensino Secundário,

Métodos activos, aproximação do ensino à realidade, visitas de estudo, experiências, observação de espécimes botânicos e zoológicos eram defendidos em inúmeras publicações da autoria de Seomara. Eram os anos 20 e 30 do século XX, onde o discurso pedagógico era ainda o da Escola Nova. Em Portugal terminara a1ª República (1910-1926, instaura-se a Ditadura Militar (1926.1933) e dá-se início ao Estado-Novo (1933-74), o regime ditatorial de Salazar. O ano de 1936 é marcado pala alteração do nome do Ministério da Instrução Pública para Ministério da Educação Nacional, de reformas do Ensino Secundário, da criação da Mocidade Portuguesa. Salazar apreciava Mussolini e seu regime corporativo, que vem a adoptar. O Ministro da Educação obreiro destas inovações era Carneiro Pacheco, um homem fervoroso adepto do Regime. No texto da Reforma do Ensino Liceal de 1936 encontramos inúmeras referências aos métodos activos, num vislumbre de alguns aspectos da Escola Nova, embora com intuitos propagandísticos.

Mas o discurso e as práticas de Seomara advinham dos anos 20, aquando da sua participação na vida associativa dos professores e da sua participações em Congressos pedagógicos no país e no estrangeiro (Haia, 1929).

Para além do seu discurso temos os testemunhos de alunos e estudantes que atestam que o discurso se repercutia na sua prática lectiva.

Os Objectos e as práticas revisitados pela memória

Ao ouvir a memória dos protagonistas, podemos, no contexto do Núcleo Museológico dar um outro sentido aos objectos. Algumas das testemunhas do vivido já partiram, mas deixaram-nos para sempre as suas impressões, o que nos remete para a importância da História Oral, como método de investigação da História Contemporânea, numa época de profundas mudanças sociais, de globalização e de destruição de traços identitários.

Os Manuais Escolares

Os manuais escolares representam ainda hoje, no nosso sistema de ensino o instrumento fundamental de trabalho nas salas de apoio ao aluno como suporte de informação e de estudo. Os manuais de Seomara, passando a ser os livros únicos, foram inovadores para a época em que surgiram (anos 30) e para as suas posteriores edições revistas e já com a utilização da cor. Muitas da imagens de plantas, eram feitas a partir do natural e outras inspiradas em livros de outros autores com Correvon. E do seu ilustrador. As suas alunas do Ensino Secundário referem-se aos manuais.

«Fui aluna da Professora Seomara em Ciências físico-químicas e Ciências naturais no 4º, 5º e 6º anos do liceu, portanto, de 1935 a 1938. Gostava muito das aulas dela e ela tinha aqueles livros maravilhosamente bem ilustrados - ela gostava muito de desenhar e pintar..» (Antera)

«Os seus livros completavam a…os seus livros ainda hoje são uma obra-prima» (Antera)

«No caso das Ciências, tínhamos…e então as aulas eram dadas com o relacionar…quero dizer, havia um livro dela, um compêndio dela, ela desenhava…nós éramos levadas a desenhar, penso que tenho aqui um caderno…» (Hermínia)

«Os livros eram muito bonitos, sobretudo os de botânica, com muitas ilustrações e com biografias de alguns cientistas» (Ana)

A Didáctica Experimental

Tal como Seomara definia nas suas obras como professora e investigadora, a didáctica experimental foi uma constante nas suas aulas, tanto no Liceu como na Universidade.

No Ensino Secundário

Convém referir que o Liceu onde leccionou, o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho era, na época uma «instituição»: Para além de ser o único Liceu Feminino de Lisboa, teve como Reitora uma figura grada do Regime de Salazar que também pertencia «Obra das Mães pela Educação Nacional», a organização de enquadramento feminino, Maria Guardiola (Pimentel, 200). As novas instalações, num edifício concebido para o fim a que se destinava, começaram a funcionar no ano lectivo de 1933.34 e estava equipado com laboratórios

«As aulas eram muito práticas: ela levava para as aulas os caules cortados, as cebolas que observávamos ao microscópio e íamos ao laboratório observar o esqueleto humano, os músculos...ainda hoje sei muita coisa de Biologia graças àquela professora que nós tínhamos. » (Antera)

«Tive a Dra Seomara da Costa Primo, que era um encanto (…) ela depois foi para a Universidade - Mas antes eu tive a sorte de a apanhar - Era extraordinária - As aulas dela, portanto, como é que decorriam as aulas…as aulas dela decorriam num verdadeiro encantamento, porque chegava-se ao fim e parecia que não tinha passado o tempo das aulas » (Hermínia)

«As de Ciências Naturais traziam os aparelhos para a sala (…) material diverso de laboratório (….) de biologia onde havia animais embalsamados, modelos de folhas, dos esporos a abrirem, do cérebro, do ouvido, do olho ou dos minerais» (D. Margarida Valente)

Os depoimentos destas alunas permitem-nos observar a «caixa negra» da escola, neste caso a Didáctica experimental que Seomara desenvolvia nas suas aulas no Liceu.

O Ensino Superior

Seomara foi professora de Desenho Biológico na Licenciatura em Ciências Biológicas e de Botânica na Licenciatura em Farmácia. Era professora catedrática, onde conseguiu chegar após o seu Doutoramento. Ácerca da Didáctica experimental os seus antigos estudantes afirmaram:

(…).As aulas como ela dava no liceu eram superiores ainda na Faculdade porque ela trabalhava muito: ela arranjava amostras de plantas, ela fazia os cortes....na altura não havia preparadores nem ajudantes. Era realmente uma pessoa que toda a gente gostava imenso como professora, para além da sua simplicidade e dos seus conhecimentos, que se dedicava e que sabia - a gente sentia que ela sabia, ela vivia aquelas coisas…» (Antera)

«Fui sua aluna em Desenho Biológico, logo no meu primeiro ano da Faculdade.

Esta disciplina, tal como era entendida pela Prof.Seomara tinha co­mo objectivo incutir nos alunos a observação da morfologia externa dos seres vivos (animais e vegetais) e, na sequência, reproduzir com fide­lidade, no papel, as características observadas.

Era, sentido o interesse do Desenho Biológico, só mais tarde, na pri­meira parte da disciplina de Botânica Sistemática (Morfologia Vegetal) na qual era e é indispensável ter adquirido capacidade de observação objectiva e rigorosa.» (Maria Salomé)

A coerência de Seomara entre o que defendia e que praticava na sua actividade docente foi evidenciada pelos seus estudantes.

A Interacção

Para além da sua prática educativa as suas alunas e os seus estudantes se referiram à forma como Seomara interagia com eles, o que nos remete para as características da sua personalidade.

« …tinha uma qualidades pedagógicas extraordinárias e era uma simpatia. Ela foi à nossa viagem de fim do curso do liceu - fomos lá acima ao Lindoso e foi sempre muito atenciosa e amiga, muito simples, uma pessoa muito simples....comigo e com as outras minhas colegas.(…) A Seomara era fundamentalmente uma pedagoga e uma amante da profissão ela vivia para os seus alunos, nunca se casou nem nada...tinha uma amizade muito especial pelos seus alunos e era uma Professora “com letra muito grande”.
(Antera)

«A Prof. Seomara apresentava-se aos alunos como uma pessoa extraordi­nariamente.

Deslocava-se habitualmente junto de cada aluno que, em pé, no seu es­tirador passava as aulas de Desenho Biológico, no 1º andar da Faculdade de Ciências de Lisboa, R. da Escola Politécnica, tentando por vezes com di­ficuldade, fazer ressaltar um pormenor da folha ou da flor de uma Angiospérmica ou dar expressão ao bico do mais simples dos pássaros. Quando necessário, a Prof. Seomara pegava no lápis e, como boa desenhadora Biológica que era, rapidamente corrigia a perspectiva ou exprimia o rigor da nervação ou recorte da folha desenhada. .» (Maria Salomé)

«A Professora Seomara da Costa Primo foi uma pessoa que nunca esqueci. Tenho dela a melhor recordação. Era uma pessoa … Com ela não aprendi só a Botânica mas também a maneira de expor com clareza um problema.» Lima de Faria (Institute of Molecular Cytogenetics, University of Lund, Sweden):

Muitos são os adjectivos, de acordo com a memória que dela têm os seus alunos, que permitem caracterizar Seomara: atenciosa, amiga, simples, paciente, pouco comunicativa, extremamente correcta, sabedora, modesta e generosa. Assim fica o seu retrato psicológico feito.

Herança

Pessoas com as características pessoais, intelectuais e profissionais que acabamos de observar só podem marcar significativamente aqueles que com ela privaram .São de novo os seus estudantes que nos falam do impacto que Seomara teve na suas vidas.

«…a influência que a Professora Doutora Seomara da Costa Primo teve na escolha da minha actividade profissional. Sem dúvida, ela está na origem do gosto e felicidade que tal ocupação me tem proporcionado ao longo de 40 anos» Estela Sousa Silva (Bióloga)

«,,,o meu interesse pelas ciências devo-o a ela. (…)Foi uma Professora a quem realmente muito fiquei a dever, que me empurrou para as Ciências, que me trazia problemas e exercícios e dizia “estes dois são para a Antera” e depois dava outros problemas diferentes às minhas colegas.» (Antera)

«Sucedi à Professora Seomara na responsabilidade da disciplina de Desenho Biológico, no ano lectivo de 1963-1964 da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa»(Maria Salomé).

Educar o gosto, a curiosidade pelo mundo que nos rodeia a generosidade da partilha do saber foi parte da Herança de Seomara.

Conclusão

A partir do cruzamento de várias fontes escritas que constituem o Espólio, nomeadamente os manuais escolares, os cadernos das alunas do Liceu e as publicações de Seomara - como as comunicações a congressos sobre o papel do ensino secundário e sobre a importância das ciências biológicas, e outros - com os testemunhos orais pensamos que a prática lectiva e os princípios educativos que defendia foram por si adoptados. A sua importância da relação pedagógica com as alunas ultrapassou a sala de aula, marcando mesmo as opções académicas e profissionais de algumas delas e criando laços de afectividade ao longo da vida.

Os principais destinatários das actividades que desenvolvemos no Núcleo Museológico são os alunos da escola. Contactar e observar os objectos em exposição e em arquivo e contextualizá-lo com o discurso dos protagonistas, atribuindo a cada objecto significados, pode proporcionar aos nossos alunos uma outra e nova visão do passado educativo e da importância da escola e da educação. Construir também um sentimento de pertença, numa escola pautada pela multiculturalidade.

Referências Bibliográficas

ADÃO, Áurea (1996). O Associativismo dos Professores do Ensino Secundário Liceal Nos Primeiros Decénios do Século XX. A Participação de Seomara da Costa Primo. Comunicação apresentada no Colóquio "Mulheres na Sociedade Portuguesa nas primeiras décadas do século XX. Amadora.

CARVALHO, Guida (1997). A Reforma do Ensino Liceal de 1936 e a Construção do Liceu Salazarista, (tese de Mestrado policop., Lisboa: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação.

CARVALHO, Guida, artigo "Seomara da Costa Primo", in Nóvoa, António (org.) Dicionário dos Pedagogos Portugueses. (Artigo redigido em 1998).

CARVALHO, Guida e CAPELÃO, Maria José (2992). Seomara da Costa Primo na Imprensa. Santarém: Cadernos do Projecto Museológico sobre Eduacação e Infância.

CARVALHO, Guida (2010). «Seomara da Costa Primo. La découverte de sa méthode d’enseignement à partir des cahiers de ses étudiants», in MEDA, J., MONTINO, D. e SANI, R. (ed.s) (2010), School Exercise Books. A Complex Source for a History of the Approach in Schooling and Education in the 19th and 20th Centuries, Macerata: Edizioni Polistampa

CORREVON, Henry (1937) Champs et Bois Fleuris. Neuchatel e Paris: Ed. Delachaux & Niestlé SA.

CORREVON, Henry (1938) Fleurs des eaux et des Marais. Neuchatel e Paris: Ed. Delachaux & Niestlé SA.

PIMENTEL, Irene Flunser (2000) História das Organizações Femininas no Estado Novo. Lisboa: Círculo de Leitores

PRIMO, Seomara da Costa (1929). Chang» Uma lição no Liceu Maria Amália Voz de Carvalho ", in Cinéfilo, n°50.

PRIMO, Seomara da Costa (1929). O XI Congresso Internacional do Ensino Secundário. Lisboa: Imprensa Portugal-Brasil.

PRIMO, Seomara da Costa (1929). Do Êxito das Ciências Biológicas do Ensino Secundário. Lisboa: Imprensa Portugal-Brasil.

PRIMO, Seomara da Costa (1930). A Educação e a Cruz Vermelha. Lisboa: Imprensa Beleza.

PRIMO, Seomara da Costa (1931). Cruz Vermelha Infantil. Lisboa: Imprensa Portugal-Brasil.

THOMPSON, Paul (1992). A Voz do Passado – História Oral.Rio de Janeiro: Paz e terra

Depoimentos orais de antigas alunas e de antigos estudantes.



[1] Transforma-se o amador na cousa amada,

Por virtude do muito imaginar;

Não tenho, logo, mais que desejar,

Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,

Que mais deseja o corpo de alcançar?

Em si somente pode descansar,

Pois consigo tal alma está ligada.

Mas esta linda e pura semidia,

Que, como o acidente em seu sujeito,

Assim com a alma minha se conforma,

Está no pensamento como idéia;

E o vivo e puro amor de que sou feito,

Como a matéria simples, busca a forma

Luis de Camões

A investigação sobre Seomara

Comunicação (em Inglês) apresentada no "14th International Symposium for School Life and School History Collections" em Bressanone/Brixen (Itália) em Junho de 2011

Guida Maria Aguiar de Carvalho

Introdução

Começamos por evocar duas primeiras estrofes de um soneto de Camões, poeta português do Renascimento:

«Transforma-se o amador na cousa amada,

Por virtude do muito imaginar;» [1]

Salvaguardando as devidas diferenças, sinto-me relativamente ao meu objecto de estudo, como o investigador que se torna também na cousa investigada. Cousa investigada pois ao desenvolver as minhas actividades no Núcleo Museológico, recordo a minha professora de Ciências, no Liceu, que se referia muito afectuosamente ao nosso livro de Ciências, salientando «que era o livro da Seomara». Livro que guardei ao longo dos anos e que doei ao Núcleo Museológico, pois já não precisava de imaginar mais a autora que fui desvendando ao longo dos últimos anos, conhecendo-a e procurando divulgar a sua vida e a sua obra.

Síntese biográfica de Seomara

Seomara da Costa Primo distinguiu-se como professora do Ensino Liceal e do Universitário, como investigadora nas áreas das Ciências Naturais e da Educação, e ainda como activista do movimento associativo do professorado do ensino Liceal.

Nasceu em Lisboa, no dia 10 de Novembro de 1895 e veio a falecer na Amadora, no dia 2 de Abril de 1986-

Frequentou como aluna os liceus Maria Pia e Passos Manuel, No liceu, Passos Manuel terminou o Curso Complementar de Ciências em 1913, entrando de seguida na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa onde concluiu o Curso de Ciências Histórico-Naturais em 1919. No decurso do ano lectivo de 1917-18 frequentou na Faculdade de Medicina as cadeiras de Histologia e Embriologia. Tendo frequentado o Curso do Magistério Liceal, diplomou-se pela Escola Normal Superior e concluiu o Exame de Estado no ano de 1922.

Foi como professora do Ensino Liceal -função que viria a acumular com a docência Universitária - que desenvolveu intensa actividade tanto no campo científico e pedagógico como no associativo. Leccionou no antigo Liceu Almeida Garrett e no seu sucessor Maria Amália Vaz de Carvalho, tendo deixado nas suas alunas uma forte impressão abonatória. Em 1942 defendeu a sua Tese de Doutoramento, intitulada «Contribuição para o Estudo Comparativo da Acção do Arsénico e da Colquicína na Célula Vegetal», tendo sido a primeira mulher a doutorar-se em Ciências Biológicas, o que lhe valeu a divulgação do ocorrido na Imprensa quotidiana bem como o acesso à cátedra de Botânica da Faculdade de Ciências de Lisboa em 1943.

Foi autora de diversos compêndios para o Ensino Liceal -de Botânica, de Biologia e de Zoologia, profusamente ilustrados com aguarelas e carvões por si executados, que acompanharam gerações de alunos do Ensino Liceal, entre os anos trinta e setenta. O seu gosto pelo desenho quer científico quer recreativo e pela pintura permite encontrar no seu espólio um número muito significativo de aguarelas, representando plantas e animais -as quais foi fazendo e refazendo até ao fim da vida.

O nome de Seomara da Costa Primo surge também associado à Federação das Associações dos Professores dos Liceus Portugueses (cujos Estatutos foram aprovados em Maio de 1926), não só pelo facto de, desde 1927, ter feito parte dos seus corpos gerentes, mas igualmente por ter apresentado diversas comunicações nos Congressos realizados pela Associação.

Foi pela mão da Professora Seomara que o cinema educativo se estreou no Liceu Maria Amália, no dia 24 de Junho de 1929, com o filme "Chang", de que o suplemento de "O Século" (o "Cinéfilo") faz eco, ao publicar um extenso artigo de Seomara intitulado «"Chang", Uma lição no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho», onde, para além de uma história breve do Cinema, são salientadas as vantagens pedagógicas do cinema educativo como forma de aproximar os alunos da realidade.

Também no suplemento feminino de "O Século", o "Modas & Bordados", dirigido por Maria Lamas, se fez eco do interesse que Seomara demonstrava relativamente à Cruz Vermelha Infantil, organização ligada à Sociedade das Nações, ao proferir, em Lisboa, no dia 25 de Junho de 1930, uma conferência sob o título "A educação e a cruz vermelha da mocidade".

Quanto à educação, Seomara pensava, utilizando a terminologia pedagógica da Escola Nova, mas também fazendo eco de expressões de carácter eugenista, dominantes nesse período: "A educação não consiste já na acumulação de noções por vezes demasiada, numa exagerada fase intelectual -conjunto de noções mal fixadas umas, mal interpretadas outras, por vezes mal usadas todas- consiste antes na preparação do indivíduo para a vida, visando aquela selecção e cultura das qualidades da raça, tornando-o apto a agir e a vencer no meio a que é destinado" (Primo, 1939).

Para além desta visão global da educação, também se pronuncia relativamente à necessidade da adopção de novos métodos de ensino -o que, aliás, o discurso curricular oficial irá propor na Reforma Liceal de 1936, sem no entanto os realizar plenamente - e tomando uma posição crítica relativamente aos programas do ensino liceal: "...transformação dos métodos de ensino em métodos activos, que tendem a favorecer a actividade pessoal da criança, procurando rodeá-la das mesmas condições que encontrará na vida, levando-a a resolver problemas em que é colocada, dentro das suas forças e da sua mentalidade, o que é certo é que também nos nossos programas muito pouco se cuida dos problemas da vida." (Primo, 1930).

Também a especificidade feminina foi objecto de referência, no que concerne ao papel da mulher na sociedade e à educação das raparigas: "Quanto mais esclarecida (...) for [a mulher], tanto mais elevará a sua missão de mãe- A cultura nunca fará mal às raparigas. Poderá resultar melhor até, porque é a mulher, de facto, quem exerce mais influência no espírito dos filhos. Fomentar, pois, a sua cultura, elevar a sua mentalidade, é pedra de toque de um país verdadeiramente civilizado" (Primo, 1943). Foi autora de inúmeros artigos de índole científica e pedagógica, publicados na imprensa da especialidade, bem como em órgãos de divulgação, tendo sido citada em órgãos de imprensa estrangeiros. Efectuou diversas viagens de estudo de âmbito científico e pedagógico, à França, Alemanha, Bélgica, Holanda e Suíça.

Seomara nunca constituiu família, cuja possibilidade parece ter sido sacrificada pelo seu labor científico, investigativo e docente. Como balanço final, e nas suas próprias palavras, ela assim define a sua vida: «Alunos e livros foram meus companheiros na vida; mais do que isso, foram a minha própria vida» (1985).

A História do Núcleo Museológico Seomara Da Costa Primo:

Quando o Ministério da Educação sugeriu que todas as escolas deveriam ter um Patrono a Escola Secundária da Venteira, na Amadora -periferia de Lisboa- toma o nome de Escola Secundária de Seomara da Costa Primo, em 1989, por proposta da sua antiga aluna, Drª Maria Luísa Azevedo Neves.

Logo de seguida várias entidades, nomeadamente o Museu – Escola Jardim Botânico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho e a Drª Maria Luisa Azevedo Neves, procederam à doação de partes do Espólio da professora Seomara à escola. E assim se constitui o Espólio a que se vieram a juntar cadernos e depoimentos orais de antigas alunas do Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho.

Nos anos noventa, inicia-se o tratamento e acondicionamento do Espólio, através de um protocolo com a Câmara Municipal da Amadora. Nos anos subsequentes prosseguiu-se com a investigação em torno do Espólio com o objectivo central de divulgar a figura de Seomara.

O Espólio é constituído por cerca de seis centenas de peças, com cerca de 180 desenhos, carvões, tinta da china, aguarelas, manuais escolares de sua autoria, recortes da Imprensa sobre os seus trabalhos e intervenções, brochuras de intervenções em Congressos, dezenas de Fotografias, desde a Infância até aos últimos anos, alguma correspondência, livros da sua biblioteca pessoal; objectos pessoais, bordados da sua autoria, cadernos de antigas alunas do Liceu Maria Amália e pequenos depoimentos orais de antigas alunas.

No âmbito da exploração científica e didáctica do Espólio, temos desenvolvido as seguintes actividades:

Participação em Congressos (Santarém; Válega-Ovar, Santiago de Compostela; Riachos e Macerata-Itália); Publicações, em parceria com a Escola Superior de Educação de Santarém; Artigo Biográfico in Dicionário de Educadores Portugueses, dir. António Nóvoa, Lisboa: 2003; Participação na criação da RIHMIE (Rede de Investigadores em História e Museologia da Infância e da Educação); Cedência de materiais para a Exposição sobre «Professores Cientistas» ( Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa): Cedência e apoio à selecção de materiais para o «Museu Virtual da Educação» (Ministério da Educação); Apoio à elaboração do Documentário «Seomara uma Mulher do/no seu Tempo» http://www.youtube.com/watch?v=1TJZDABOWnk ; Colaboração com o Centro de Filosofia das Ciências da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa; Representação na inauguração do Laboratório Seomara da Costa Primo, na Escola Secundária Vergílio Ferreira em Lisboa. Para além destas participações, contamos também com uma Exposição permanente na sala do Núcleo Museológico; contamos ainda com o nosso blogue, com o endereço é http://nuclemuseologicoseomara.blogspot.com/

Os objectos como interlocutores

Todos os objectos que constituem o Espólio são revestidos de materialidade, estão classificados, catalogados, têm dimensões, pesos e características específicas. No entanto aquilo que pensamos ser mais importante é a compreensão do seu significado, a mediação que eles desempenharam entre a sua autora e os destinatários: Entender o seu significado na vida e obra da autora e memória da percepção dos destinatários relativamente aos objectos e à sua intencionalidade.

Recorremos pois à memória daqueles que de alguma forma tiveram contacto directo com a autora e contacto directo com algumas das peças do Espólio, nomeadamente, os manuais escolares, os cadernos de antigas alunas e outras publicações. O objectivo do Núcleo Museológico é também o de dar vida aos objectos, dar-lhes a voz dos seus utilizadores.

Os depoimentos orais e escritos que fomos recolhendo nos últimos anos permitem-nos melhor contextualizar os objectos do Espólio e a importância do contacto pessoal entre Seomara e as suas alunas. Relativamente aos depoimentos, eles dividem-se em duas populações diferentes, na primeira categoria encontram-se as suas alunas do Ensino Secundário, no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho onde leccionou Ciência Físico-Naturais. Quanto à segunda categoria é constituída pelos seus estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde leccionou Desenho Cientifico..

Importa-nos pois revivificar as peças do espólio, através das experiências da vida que esses objectos tiveram quando eram manuseados, observados e lidos pelos actores sociais.

As Metodologias e o contexto

Seomara da Costa Primo foi defensora e partidária dos métodos activos, pô-los em prática tanto nas suas aulas, como nos manuais escolares que ilustrou e escreveu. A isso se referem sobretudo as suas alunas do Ensino Secundário,

Métodos activos, aproximação do ensino à realidade, visitas de estudo, experiências, observação de espécimes botânicos e zoológicos eram defendidos em inúmeras publicações da autoria de Seomara. Eram os anos 20 e 30 do século XX, onde o discurso pedagógico era ainda o da Escola Nova. Em Portugal terminara a1ª República (1910-1926, instaura-se a Ditadura Militar (1926.1933) e dá-se início ao Estado-Novo (1933-74), o regime ditatorial de Salazar. O ano de 1936 é marcado pala alteração do nome do Ministério da Instrução Pública para Ministério da Educação Nacional, de reformas do Ensino Secundário, da criação da Mocidade Portuguesa. Salazar apreciava Mussolini e seu regime corporativo, que vem a adoptar. O Ministro da Educação obreiro destas inovações era Carneiro Pacheco, um homem fervoroso adepto do Regime. No texto da Reforma do Ensino Liceal de 1936 encontramos inúmeras referências aos métodos activos, num vislumbre de alguns aspectos da Escola Nova, embora com intuitos propagandísticos.

Mas o discurso e as práticas de Seomara advinham dos anos 20, aquando da sua participação na vida associativa dos professores e da sua participações em Congressos pedagógicos no país e no estrangeiro (Haia, 1929).

Para além do seu discurso temos os testemunhos de alunos e estudantes que atestam que o discurso se repercutia na sua prática lectiva.

Os Objectos e as práticas revisitados pela memória

Ao ouvir a memória dos protagonistas, podemos, no contexto do Núcleo Museológico dar um outro sentido aos objectos. Algumas das testemunhas do vivido já partiram, mas deixaram-nos para sempre as suas impressões, o que nos remete para a importância da História Oral, como método de investigação da História Contemporânea, numa época de profundas mudanças sociais, de globalização e de destruição de traços identitários.

Os Manuais Escolares

Os manuais escolares representam ainda hoje, no nosso sistema de ensino o instrumento fundamental de trabalho nas salas de apoio ao aluno como suporte de informação e de estudo. Os manuais de Seomara, passando a ser os livros únicos, foram inovadores para a época em que surgiram (anos 30) e para as suas posteriores edições revistas e já com a utilização da cor. Muitas da imagens de plantas, eram feitas a partir do natural e outras inspiradas em livros de outros autores com Correvon. E do seu ilustrador. As suas alunas do Ensino Secundário referem-se aos manuais.

«Fui aluna da Professora Seomara em Ciências físico-químicas e Ciências naturais no 4º, 5º e 6º anos do liceu, portanto, de 1935 a 1938. Gostava muito das aulas dela e ela tinha aqueles livros maravilhosamente bem ilustrados - ela gostava muito de desenhar e pintar..» (Antera)

«Os seus livros completavam a…os seus livros ainda hoje são uma obra-prima» (Antera)

«No caso das Ciências, tínhamos…e então as aulas eram dadas com o relacionar…quero dizer, havia um livro dela, um compêndio dela, ela desenhava…nós éramos levadas a desenhar, penso que tenho aqui um caderno…» (Hermínia)

«Os livros eram muito bonitos, sobretudo os de botânica, com muitas ilustrações e com biografias de alguns cientistas» (Ana)

A Didáctica Experimental

Tal como Seomara definia nas suas obras como professora e investigadora, a didáctica experimental foi uma constante nas suas aulas, tanto no Liceu como na Universidade.

No Ensino Secundário

Convém referir que o Liceu onde leccionou, o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho era, na época uma «instituição»: Para além de ser o único Liceu Feminino de Lisboa, teve como Reitora uma figura grada do Regime de Salazar que também pertencia «Obra das Mães pela Educação Nacional», a organização de enquadramento feminino, Maria Guardiola (Pimentel, 200). As novas instalações, num edifício concebido para o fim a que se destinava, começaram a funcionar no ano lectivo de 1933.34 e estava equipado com laboratórios

«As aulas eram muito práticas: ela levava para as aulas os caules cortados, as cebolas que observávamos ao microscópio e íamos ao laboratório observar o esqueleto humano, os músculos...ainda hoje sei muita coisa de Biologia graças àquela professora que nós tínhamos. » (Antera)

«Tive a Dra Seomara da Costa Primo, que era um encanto (…) ela depois foi para a Universidade - Mas antes eu tive a sorte de a apanhar - Era extraordinária - As aulas dela, portanto, como é que decorriam as aulas…as aulas dela decorriam num verdadeiro encantamento, porque chegava-se ao fim e parecia que não tinha passado o tempo das aulas » (Hermínia)

«As de Ciências Naturais traziam os aparelhos para a sala (…) material diverso de laboratório (….) de biologia onde havia animais embalsamados, modelos de folhas, dos esporos a abrirem, do cérebro, do ouvido, do olho ou dos minerais» (D. Margarida Valente)

Os depoimentos destas alunas permitem-nos observar a «caixa negra» da escola, neste caso a Didáctica experimental que Seomara desenvolvia nas suas aulas no Liceu.

O Ensino Superior

Seomara foi professora de Desenho Biológico na Licenciatura em Ciências Biológicas e de Botânica na Licenciatura em Farmácia. Era professora catedrática, onde conseguiu chegar após o seu Doutoramento. Ácerca da Didáctica experimental os seus antigos estudantes afirmaram:

(…).As aulas como ela dava no liceu eram superiores ainda na Faculdade porque ela trabalhava muito: ela arranjava amostras de plantas, ela fazia os cortes....na altura não havia preparadores nem ajudantes. Era realmente uma pessoa que toda a gente gostava imenso como professora, para além da sua simplicidade e dos seus conhecimentos, que se dedicava e que sabia - a gente sentia que ela sabia, ela vivia aquelas coisas…» (Antera)

«Fui sua aluna em Desenho Biológico, logo no meu primeiro ano da Faculdade.

Esta disciplina, tal como era entendida pela Prof.Seomara tinha co­mo objectivo incutir nos alunos a observação da morfologia externa dos seres vivos (animais e vegetais) e, na sequência, reproduzir com fide­lidade, no papel, as características observadas.

Era, sentido o interesse do Desenho Biológico, só mais tarde, na pri­meira parte da disciplina de Botânica Sistemática (Morfologia Vegetal) na qual era e é indispensável ter adquirido capacidade de observação objectiva e rigorosa.» (Maria Salomé)

A coerência de Seomara entre o que defendia e que praticava na sua actividade docente foi evidenciada pelos seus estudantes.

A Interacção

Para além da sua prática educativa as suas alunas e os seus estudantes se referiram à forma como Seomara interagia com eles, o que nos remete para as características da sua personalidade.

« …tinha uma qualidades pedagógicas extraordinárias e era uma simpatia. Ela foi à nossa viagem de fim do curso do liceu - fomos lá acima ao Lindoso e foi sempre muito atenciosa e amiga, muito simples, uma pessoa muito simples....comigo e com as outras minhas colegas.(…) A Seomara era fundamentalmente uma pedagoga e uma amante da profissão ela vivia para os seus alunos, nunca se casou nem nada...tinha uma amizade muito especial pelos seus alunos e era uma Professora “com letra muito grande”.
(Antera)

«A Prof. Seomara apresentava-se aos alunos como uma pessoa extraordi­nariamente.

Deslocava-se habitualmente junto de cada aluno que, em pé, no seu es­tirador passava as aulas de Desenho Biológico, no 1º andar da Faculdade de Ciências de Lisboa, R. da Escola Politécnica, tentando por vezes com di­ficuldade, fazer ressaltar um pormenor da folha ou da flor de uma Angiospérmica ou dar expressão ao bico do mais simples dos pássaros. Quando necessário, a Prof. Seomara pegava no lápis e, como boa desenhadora Biológica que era, rapidamente corrigia a perspectiva ou exprimia o rigor da nervação ou recorte da folha desenhada. .» (Maria Salomé)

«A Professora Seomara da Costa Primo foi uma pessoa que nunca esqueci. Tenho dela a melhor recordação. Era uma pessoa … Com ela não aprendi só a Botânica mas também a maneira de expor com clareza um problema.» Lima de Faria (Institute of Molecular Cytogenetics, University of Lund, Sweden):

Muitos são os adjectivos, de acordo com a memória que dela têm os seus alunos, que permitem caracterizar Seomara: atenciosa, amiga, simples, paciente, pouco comunicativa, extremamente correcta, sabedora, modesta e generosa. Assim fica o seu retrato psicológico feito.

Herança

Pessoas com as características pessoais, intelectuais e profissionais que acabamos de observar só podem marcar significativamente aqueles que com ela privaram .São de novo os seus estudantes que nos falam do impacto que Seomara teve na suas vidas.

«…a influência que a Professora Doutora Seomara da Costa Primo teve na escolha da minha actividade profissional. Sem dúvida, ela está na origem do gosto e felicidade que tal ocupação me tem proporcionado ao longo de 40 anos» Estela Sousa Silva (Bióloga)

«,,,o meu interesse pelas ciências devo-o a ela. (…)Foi uma Professora a quem realmente muito fiquei a dever, que me empurrou para as Ciências, que me trazia problemas e exercícios e dizia “estes dois são para a Antera” e depois dava outros problemas diferentes às minhas colegas.» (Antera)

«Sucedi à Professora Seomara na responsabilidade da disciplina de Desenho Biológico, no ano lectivo de 1963-1964 da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa»(Maria Salomé).

Educar o gosto, a curiosidade pelo mundo que nos rodeia a generosidade da partilha do saber foi parte da Herança de Seomara.

Conclusão

A partir do cruzamento de várias fontes escritas que constituem o Espólio, nomeadamente os manuais escolares, os cadernos das alunas do Liceu e as publicações de Seomara - como as comunicações a congressos sobre o papel do ensino secundário e sobre a importância das ciências biológicas, e outros - com os testemunhos orais pensamos que a prática lectiva e os princípios educativos que defendia foram por si adoptados. A sua importância da relação pedagógica com as alunas ultrapassou a sala de aula, marcando mesmo as opções académicas e profissionais de algumas delas e criando laços de afectividade ao longo da vida.

Os principais destinatários das actividades que desenvolvemos no Núcleo Museológico são os alunos da escola. Contactar e observar os objectos em exposição e em arquivo e contextualizá-lo com o discurso dos protagonistas, atribuindo a cada objecto significados, pode proporcionar aos nossos alunos uma outra e nova visão do passado educativo e da importância da escola e da educação. Construir também um sentimento de pertença, numa escola pautada pela multiculturalidade.

Referências Bibliográficas

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THOMPSON, Paul (1992). A Voz do Passado – História Oral.Rio de Janeiro: Paz e terra

Depoimentos orais de antigas alunas e de antigos estudantes.



[1] Transforma-se o amador na cousa amada,

Por virtude do muito imaginar;

Não tenho, logo, mais que desejar,

Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,

Que mais deseja o corpo de alcançar?

Em si somente pode descansar,

Pois consigo tal alma está ligada.

Mas esta linda e pura semidia,

Que, como o acidente em seu sujeito,

Assim com a alma minha se conforma,

Está no pensamento como idéia;

E o vivo e puro amor de que sou feito,

Como a matéria simples, busca a forma

Luis de Camões